Muito aproveitado nos meses de dezembro e janeiro, o direito a férias previsto em lei completa 90 anos nesta quinta-feira (31). Instituído em decreto publicado em 1925, o benefício, inicialmente bastante desrespeitado e com apenas 15 dias de duração, foi um marco no direito trabalhista do Brasil e sofreu várias alterações no decorrer dos anos.
“As férias são consideradas o primeiro benefício geral estabelecido no Brasil para os trabalhadores”, diz Eli Alves da Silva, presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP.
Antes do decreto, poucos eram os brasileiros com descanso anual. No setor privado, as férias só existiam nos raros casos em que o empregador as instituía por iniciativa própria -como, na Bahia, o industrial Luís Tarquínio em 1891 e, em São Paulo, Jorge Street em 1917.
Além disso, havia desde 1889 uma previsão específica do benefício para trabalhadores do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que no ano seguinte foi estendida aos trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Em 1933, com o objetivo de tornar mais efetivo o direito até então muito desrespeitado, surgiram várias regras relacionadas a ele que permanecem até hoje: a regulamentação do desconto de faltas, a proibição de o empregado trabalhar para um novo empregador durante o descanso anual e o estabelecimento tanto de um intervalo de 12 meses para que se adquira o direito às férias, quanto de um período subsequente de 12 meses durante os quais elas devem gozadas.
Dez anos depois, em 1943, foi aprovada a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que sistematizou a legislação trabalhista e estendeu o direito a férias aos trabalhadores rurais, deixando ainda de fora, porém, os domésticos -os quais só passaram a ter esse direito em 1972.
O período de descanso anual remunerado foi expandido só em 1949, para 20 dias. Apenas em 1977, por meio de decreto-lei do então presidente Ernesto Geisel, é que os atuais 30 dias foram estabelecidos.
Por fim, em 1988, com a promulgação da atual Constituição, um novo direito foi criado: o adicional de um terço ao salário que se recebe durante as férias.
“O Brasil seguiu uma tradição jurídica latino-americana de acrescer à remuneração das férias uma certa quantia, porque não adiantava você dar descanso sem a possibilidade de se ter um dinheiro extraordinário. Afinal, descansar custa dinheiro”, diz o advogado trabalhista Luís Carlos Moro.
“Esse terço a mais é uma reivindicação não só dos trabalhadores, mas das indústrias do turismo, do transporte e dos restaurantes, para que as pessoas tenham uma disponibilidade de dinheiro para fazer frente às despesas de lazer”, afirma Moro.
REGRAS VIGENTES
O exercício e a organização do direito de férias contam com uma série de regras específicas. Por exemplo, o período de férias pode ser diminuído conforme o acúmulo durante o ano de faltas não justificadas -ou seja, ausências que não tenham motivos como casamento, doença, morte na família ou alistamento militar.
Outro ponto importante é a possibilidade de o trabalhador “vender” um terço de suas férias, trabalhando para receber a remuneração que seria devida por esses dias.
Se o empregador desejar, o descanso anual pode ser dividido em dois períodos, sendo nenhum deles inferior a dez dias corridos. Vale lembrar, porém, que essa opção é vetada no caso de trabalhadores com menos de 18 anos e com mais de 50 anos.
Um caso específico é o de férias coletivas. “Como é o empregador que tem o poder de escolher quando as férias são gozadas, é muito comum a ocorrência de férias coletivas dos trabalhadores de uma empresa ou de um de seus setores. No caso de algumas carreiras, como a de professor, isso é até regulamentado de forma permanente”, diz Moro.
As férias coletivas, que podem durar a totalidade do descanso anual do empregado, precisam ser comunicadas ao Ministério do Trabalho e ao sindicato da categoria.
A regulamentação das férias no caso de fim do vínculo de emprego também conta com detalhes. “Qualquer que seja o motivo da demissão, o trabalhador tem direito à remuneração do período de férias já adquirido e não gozado. A justa causa só rompe o período de férias em aquisição”, afirma Moro. Com isso, o demitido por justa causa não tem direito às chamadas férias proporcionais.
As regras, entretanto, podem às vezes ser modificadas por negociações entre representantes de empregados e empregadores.
“Há variáveis que podem mudar no direito de férias através da negociação coletiva, mas sempre para ampliar o benefício do trabalhador. Por exemplo, é possível aumentar o número de faltas que se pode ter sem a diminuição de dias de férias”, diz Eli Alves da Silva.
Os direitos relacionados às férias no Brasil, são bem diferentes dos de outros países. Embora haja países ainda mais generosos, como a França e a Suécia, os trabalhadores brasileiros têm na média mais benefícios do que os demais.
Em estudo organizado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 2012, foi feita uma comparação da duração das férias nos países de todo o mundo. O benefício foi medido em cada país pelo número de dias úteis -dessa forma, o tamanho das férias no Brasil foi estimado em 21 dias úteis, descontando dos 30 dias corridos os finais de semana e possíveis feriados.
A duração do descanso anual varia entre 5 dias úteis, como na China, e 28, na Grã-Bretanha. No caso dos britânicos, porém, os feriados são incluídos na contagem de férias, o que quer dizer que os brasileiros teriam vantagem na comparação de dias sem trabalho em geral -34 contra 28.
“Muito poucos países estabelecem férias mais longas do que o Brasil. Na maioria dos casos, o benefício é mais curto. Então, pode-se dizer que a nossa legislação é bastante protecionista nesse ponto”, afirma Gisele Carneiro, gerente-sênior de impostos na área trabalhista da consultoria EY (antiga Ernst & Young).
Entre os países com férias mais longas do que o Brasil, segundo a OIT, estão a França e a Suécia, que concedem 25 dias úteis de férias aos trabalhadores.
Atrás do Brasil aparecem todos os vizinhos latino-americanos: chilenos e bolivianos contam com 15 dias úteis de férias, argentinos e chilenos com 10 e os mexicanos com apenas 6.
Na Europa, a duração mais comum do benefício -casos de Alemanha, Itália e Rússia, por exemplo- é de 20 dias úteis, um pouco menor do que no Brasil. Já na Ásia, as férias costumam ser menores, com 6 dias úteis na Tailândia, 7 em Cingapura, 8 no Japão e 15 na Coreia do Sul.
Um caso peculiar é o dos Estados Unidos, onde não há um mínimo obrigatório de férias. Ainda assim, a maioria dos empregadores oferece algum período de férias, em geral entre 6 e 20 dias corridos, de acordo com estudo feito em 2014 pela Society for Human Resource Management, associação dedicada à administração de recursos humanos. Em alguns casos, porém, nenhum dia de férias é concedido.
A “generosidade” das leis sobre férias no Brasil, entretanto, pode ter suas vantagens para o empregador. “Embora o protecionismo da legislação brasileira às vezes assuste as empresas estrangeiras, as férias têm importância até pela saúde do empregado, e podem ajudar na produtividade”, diz Carneiro.
Fonte: http://www.otempo.com.br/capa/brasil/direito-a-f%C3%A9rias-completa-90-anos-no-brasil-1.1202460
OBS: Texto usado como exemplo na fase de construção do site